USO DE ÁREAS DEGRADADAS PELA EXTRAÇÃO DE AREIA NO CULTIVO
INTENSIVO DE PESCADO EM TANQUE-REDE
USE OF DEGRADED SAND EXTRACTION AREAS IN INTENSIVE FISH CULTIVATION IN NET CAGES
PIEDRAS, Sérgio, R.N.
1
; POUEY, Juvêncio, L. O.F.
2
; MORAES, Paulo, R.R.
3
1
Oceanólogo, Doutor, Professor Adjunto da Escola de Ciências Ambientais da UCPel. Pesquisa Financiada pela FAPERGS.
sergiopiedras@hotmail.com
2
Médico Veterinário, Doutor, Professor do departamento de Zootecnia da UFPel, junvencio@ufpel.tche.br
3
Oceanólogo, Professor da Escola de Ciências Ambientais da UCPel, moraes@hotmail.com
(Recebido para Publicação em 16/11/2004, Aprovado em 27/06/2005)
RESUMO
A extração de areia é uma das principais atividades antrópicas
que causa alteração da superfície terrestre na região de Pelotas. Foi
objetivo deste trabalho estudar a viabilidade do uso das cavas
resultantes da extração de areia, para cultivo de pescado em sistema
de tanques-rede. Em uma cava de 6.000 m
2
e de 1,0 a 4,0 metros de
profundidade, foi instalado um experimento de cultivo intensivo de
jundiá (Rhamdia sp.) em tanque-rede, sendo testadas as densidades
de 100, 200 e 300 peixes m
-3
, equivalendo a uma biomassa inicial de
22,6, 46,2 e 71,1 kg peixes m
-3
, respectivamente. O cultivo teve
duração de 120 dias, sendo as condições ambientais e o desempenho
dos animais avaliados, através de controle físico e químico da água e
do crescimento dos animais. Os resultados mostraram que embora as
condições ambientais atendam aos requisitos para o cultivo de peixes,
o jundiá apresentou produtividade abaixo do desejado, sendo a melhor
densidade de cultivo a de 200 peixes m
-3
.
Palavras-chave: Rhamdia, densidade de cultivo, biomassa.
INTRODUÇÃO
A região de Pelotas, assentada no compartimento
interno da planície costeira, apresenta depósitos sedimentares
com características próprias à extração mineral, sendo que
jazidas de areia, saibro e granito, estão próximas ao mercado
consumidor dos municípios de Pelotas e Rio Grande. Para
SOUZA et al. (2001) a extração mineral é uma das atividades
humanas que mais contribui para a alteração da superfície
terrestre, afetando o local de mineração e ao redor,
provocando impactos sobre a água, o ar, o solo, o subsolo e a
paisagem como um todo.
Com cerca de 25 empresas atuando no ramo de
extração e comercialização de areia, aterros e pedras para
construção civil, construção e manutenção de estradas, é uma
atividade econômica de fundamental importância na geração
de empregos e desenvolvimento econômico. De acordo com
PINHEIRO & VALVERDE (2004), o consumo médio de areia e
brita no Brasil é de aproximadamente 2 toneladas por
habitante ao ano, sendo que o consumo de areia em 2002 foi
de 229,6 milhões de toneladas, movimentando seis bilhões de
reais.
Apesar do município de Pelotas dispor de uma
Secretaria de Qualidade Ambiental com um excelente sistema
de licenciamento ambiental, onde somente são licenciados os
empreendimentos, que atendam as normas legais, a
legislação ambiental e que apresentem projetos de
recuperação das áreas após a conclusão da extração mineral.
Existem na região de Pelotas cerca de 70 hectares de áreas já
degradadas, devendo-se isto ao fato da atividade de
mineração, assim como em outras regiões do Brasil, ter a
informalidade como característica peculiar, o que propicia a
irregularidade na atividade.
Este passivo ambiental existente, embora seja de
responsabilidade das empresas mineradoras, ocasiona
conflitos com gestores ambientais, gerando pressões da
sociedade no sentido de recuperar e estabelecer a
compatibilização da atividade de extração mineral com o meio
ambiente. FRANCHI et al. (2003) discutiram a recomendação
do IBAMA (1990) que sugeriu o preenchimento da área
lavrada com material estéril ou rejeito, e a regularização do
terreno com a recolocação do topsoil (camada de solo
superficial) retirado quando do descapeamento para a lavra.
Os autores afirmaram que o topsoil, na maioria das vezes não
é armazenado prevendo a reutilização e quando isto é feito, a
qualidade deste solo é comprometida pelo longo tempo de
exposição à intempérie.
PUGET & NUNES (2000) apresentaram algumas
sugestões para o aproveitamento futuro das áreas de
mineração, como: aterro simples para atividade agrícola,
criação de áreas de lazer para a comunidade (áreas verdes,
parques esportivos, lagos, etc.), utilização das cavas para
depósitos de rejeitos sólidos e a criação de peixes e rãs.
O cultivo de peixes no sistema de tanque-rede tem
despertado o interesse por este sistema de produção, tendo
em vista que o investimento inicial é baixo, considerando-se a
possibilidade do seu uso em diversos tipos de ambientes
aquáticos. O método consiste na criação de peixes em um
volume delimitado e que permita a livre e constante circulação
da água na área de cultivo, resultante do deslocamento da
água pelos próprios peixes, trazendo o oxigênio necessário
aos processos metabólicos dos peixes confinados e levando
as excretas e gases nocivos por eles produzidos (CAVERO et
al., 2003).
Considerando, que as cavas originadas da extração de
areia, de maneira geral, são abandonadas e acabam sendo
inundadas pelas águas da chuva ou freáticas, resultando em
pequenas lagoas com profundidades que variam entre 1 e 5
metros, foi objetivo deste trabalho estudar a viabilidade de
produção de pescado em sistema de tanque-rede, como
alternativa ao aproveitamento econômico e reaproveitamento
destas áreas.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi realizado no período de dezembro de
1999 a março de 2000, no município de Pelotas, RS. Em um PIEDRAS et al. Uso de áreas degradadas pela extração de areia no cultivo intensivo de pescado em tanque-rede
468 R. bras. Agrociência, Pelotas, v. 11, n. 4, p. 467-470, out-dez, 2005
lago resultante da cava de extração de areia, com área de
6.000 m
2
e profundidade variando entre 1,0 e 4,0 metros, foi
instalada uma passarela de madeira, no sentido da margem
ao centro da cava, sendo que de cada lado da passarela
foram instalados quatro tanques–rede e ao final da passarela
mais um tanque-rede, totalizando nove unidades
experimentais. Os tanques-rede mediam 1,0 x 1,0 metro de
largura e 1,20 metros de profundidade. Em cada tanque foram
instalados flutuadores que mantinham os tanques com uma
borda de 0,2 metro acima do nível da água, de forma que o
volume útil para cultivo de cada tanque foi de 1m
3
, sendo que
os tanques ficaram a uma distância mínima do fundo de 0,5
metro.
Os tanques foram povoados aleatoriamente com 100,
200 e 300 exemplares de jundiá (Rhamdia sp.), resultando em
três tratamentos com densidades respectivamente de 100, 200
e 300 indivíduos m
-3
, sendo cada tratamento repetido 3 vezes.
Os animais apresentavam um comprimento total médio de
26±0,5 cm e um peso médio inicial de 231±6,0 gramas.
Durante os 120 dias de duração do experimento os animais
foram alimentados com ração comercial com 28% de proteína
bruta e 3.600 kcal kg
-1
de energia digestível, numa taxa de 3%
da biomassa de cada tanque, administrada uma vez ao dia. A
quantidade de alimento fornecida foi corrigida, através de
biometrias realizadas em 10% da população de cada tanque, a
cada 14 dias.
A qualidade da água no centro da passarela foi avaliada,
semanalmente, sempre às nove horas da manhã. Neste
horário era mensurada a temperatura do ar, da água e
oxigênio dissolvido, através de oxímetro (YSI 55). O pH foi
determinado por potenciômetro (Quimis) e a condutividade foi
determinada por condutivímetro (Corning CD 55), o gás
carbônico e a alcalinidade foram determinados por processos
analíticos de acordo com APHA (1998).
Os dados de peso médio, ganho de peso médio e taxa
de crescimento específico foram avaliados através da análise
de variância (ANOVA) e quando significativa, as médias foram
submetidas ao teste de Duncan (P ≤ 0,05).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os valores (mínimo, máximo e médio) dos parâmetros
de qualidade de água, avaliados durante o período
experimental (Tabela 1), estão na faixa de tolerância para a
maioria das espécies cultivadas no sul do Brasil (GOMES et
al., 2000; ONO & KUBITZA, 1999), o que viabiliza o
aproveitamento deste ambiente para a atividade.
A sobrevivência em todos os tratamentos manteve-se
acima de 98%, o que demonstra a viabilidade do sistema para
o cultivo de peixes, já que não ocorreram mortalidades
significativas. Já, os dados de produção (Tabela 2),
demonstram que o jundiá (Rhamdia sp.) não apresentou o
desempenho esperado neste sistema de cultivo.
Tabela 1 - Valores mínimo, máximo, médio e desvio padrão dos parâmetros físicos e químicos do ar e da água avaliados durante o
período experimental.
Parâmetro Mínimo Máximo Média D. P.
Temperatura do ar (ºC) 12 38 26 6,2
Temperatura da água (ºC) 18 28 23 3,3
Oxigênio dissolvido (mg L
-1
) 4,2 6,8 6,0 0,82
Saturação de Oxigênio dissolvido (%) 54 84 72 8,8
PH 6,4 7,6 7,2 0,21
Alcalinidade (mg L
-1
de CaCo3) 22 28 26 3,4
Condutividade (µMHOS cm
-1
) 50 76 64 4,0
Gás Carbônico (mg L
-1
de Co2) 2,0 6,0 4,8 1,20
Tabela 2 – Principais variáveis dos três tratamentos avaliadas no cultivo de jundiá em tanque-rede.
Parâmetro / Tratamento 100 peixes m
-3
200 peixes m
-3
300 peixes m
-3
Peso médio inicial (g) 226±12 a 231±13 a 237±11 a
Peso médio final (g) 267±16 b 291±12 a 276±13 b
GPM* (g) 41,00±11 b 60,25±16 a 39,66±10 b
TCE ** (%) 0,139 b 0,192 a 0,127 b
Sobrevivência (%) 100 98,00 99,00
Conversão alimentar 6,2 4,9 8,3
Letras distintas na mesma linha indicam diferença significativa pelo teste de Duncan (P≤ 0,05)
*GPM = ganho de peso médio, ** TCE = taxa de crescimento específico diário = Ln Pf – Ln Pi / t2 - t1 x 100
O baixo desempenho dos animais confrontados com os
dados de sobrevivência justifica a discussão mais detalhada
sobre a espécie escolhida em relação ao sistema de tanquerede. CIELO (2000) cultivando jundiá em tanques de terra,
obteve conversão alimentar de 1,8:1, resultado este muito
melhor ao obtido neste trabalho. CARNEIRO et al. (2003)
observaram que aos 11 meses de idade, o cultivo de jundiá
em tanques de terra, resultou em grande variabilidade no
tamanho dos animais, que pesaram entre 200 e 800 gramas,
mesmo assim, resultados superiores aos aqui obtidos.
A maior taxa de crescimento específico de 0,192%
registrada no tratamento T2, com densidade de 200 peixes m
-3
,
é muito inferior aos registros de COLDEBELLA & RADÜNZ
NETO (2002), que variaram entre 3,5% e 4,23%, em animais
que pesavam de 4,0 a 6,0 gramas e de LAZZARI et al. (2004)
que avaliando diferentes fontes protéicas, em juvenis de
jundiá, com peso médio de 15 gramas, obtiveram taxas entre
2,0 e 3,8%.
VAZ (2003), cultivando alevinos de jundiá em tanquerede de pequeno volume, levantou a possibilidade de que
valores de 4,7 mg L
-1
de oxigênio dissolvido na água podem
influenciar negativamente o desenvolvimento de alevinos
desta espécie. Considerando-se que a menor concentração de
oxigênio registrada, foi de 4,2 mg L
-1
, deve-se levantar a
possibilidade de que o baixo desempenho resultante deva-se
à concentração de oxigênio durante o período experimental. PIEDRAS et al. Uso de áreas degradadas pela extração de areia no cultivo intensivo de pescado em tanque-rede
R. bras. Agrociência, Pelotas, v. 11, n. 4, p. 467-470, out-dez, 2005 469
GOMES et al. (2000) afirmaram que, embora suporte
grandes oscilações de temperatura e baixos níveis de oxigênio
dissolvido na água, o jundiá tem sua faixa de conforto
ambiental entre 18 e 28ºC e concentrações de oxigênio entre
5,0 e 8,0 mg L
-1
PIEDRAS et al. (2004) estudando o .
desempenho de juvenis de jundiá em diferentes temperaturas,
demonstraram que a maior taxa de crescimento específico foi
na temperatura de 23,78ºC, com uma concentração mínima de
6,13 mg L
-1
de oxigênio dissolvido, e concluíram que os
juvenis de jundiá apresentaram melhor desempenho onde o
incremento metabólico, em função do aumento da
temperatura, não é inviabilizado por uma menor concentração
de oxigênio dissolvido.
O melhor desempenho obtido no tratamento T2 com
densidade de 200 peixes m
-3
, onde todos os indicadores foram
superiores aos demais tratamentos, deixa muito a desejar,
pois os animais não atingiram o tamanho comercial mínimo,
de 500 gramas, mesmo que as condições ambientais
registradas no período de cultivo estivessem nos níveis
recomendados por GOMES et al. (2000). BRITO (2002)
obteve resultados de desempenho semelhantes a estes,
cultivando jundiá também em tanque-rede.
Referindo-se a densidade de peixes cultivados em
tanque-rede, JOBLING (1994) sugere que em baixas
densidades, o aparecimento de peixes dominantes ocasiona
mais gasto energético, reduzindo o desempenho dos animais.
Já em densidades elevadas, acima dos níveis ideais, a disputa
de alimento é maior, ocasionando aumento no consumo de
ração e conseqüente degradação das condições ambientais
(GOMES et al., 2004).
Estas observações sugerem que o baixo desempenho
do jundiá, obtido no sistema de cultivo em tanque-rede, devese principalmente as exigências da espécie, quanto aos
aspectos nutricionais e de manejo e não em relação a fatores
ambientais específicos, como temperatura e oxigênio
dissolvido do local onde foi desenvolvido o cultivo. Outras
espécies de peixes devem ser avaliadas quanto a sua
produtividade, quando cultivadas em sistema de tanque-rede,
em cavas de extração de areia.
CONCLUSÕES
Os lagos resultantes de cavas de extração de areia
apresentam condições ambientais que permitem o cultivo de
peixes em sistema de tanque-rede.
O jundiá não apresentou desempenho satisfatório,
quando cultivado em tanques-rede instalados em cavas de
extração de areia.
Outras espécies de peixes devem ser avaliadas quanto a
sua produtividade, quando cultivadas em sistema de tanque –
rede, em cavas de extração de areia.
ABSTRACT
Sand pit exploitation is one of the main anthropic activities
causing land surface disturbance in the region of Pelotas, RS, Brazil.
The objective of this research was to study the feasibility of using the
resulting water ponds from sand extraction, for intensive fish cultivation
in net cages. In a 6,000 m
2
pond with varying depth from 1 to 4 m an
intensive silver catfish (Rhamdia sp) cultivation was carried out in net
cages with 3 fish population densities being compared (100, 200 and
300 fish m
-3
, respectively with initial biomass of 22.6, 46.2 and 71.1Kg
of fish m
-3)
Animals were grown for 120 days, with environmental .
conditions and fish performance being evaluated through physicochemical control of water and development of fish. Despite the fact that
environmental conditions meet requirements for fish cultivation, results
showed that silver catfish productivity was below expected or desired
production and best population density being 200 fish m
-3
.
Key words: Rhamdia, fish density, biomass
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